sábado, 24 de novembro de 2018

Palavra



Se for para proferir uma palavra
Que ela não seja inconsequente
Como o olhar cobiçoso de um flerte.
Que seja mais do que um perfume
Que o tempo consumiu no papel de carta.
Almejo a perfeição da palavra construída,
Na arquitetura de meus sonhos juvenis,
Com a esperança em cores vivas.
Desejo a palavra que possa transmitir
O tanino das emoções que produzi no coração.
Enrubesço-me diante das palavras fúteis.
Ouço o apóstolo que exorta a desviar das conversas frívolas,
Como um capoeira que se esquiva com o gingar do corpo.
Não suporto a falsa palavra que escapa da boca
Com trajes e máscaras de promessas.
Não perdoo o vilipendio das palavras mal concebidas
Nas trevas das esquinas perdidas das metrópoles.
Gosto da palavra livre, mas responsável!
A palavra cigana que conhece muitos lugares,
Sem pertencer a nenhum deles.
A palavra que se derrama pelo papel
Dando-lhe vida como sopro divino.
A palavra que encontra sua morada
Na alma errante de cada poeta.


11.07.2018



Poesia classificada em 4º Lugar no XXVI Prêmio Moutonnée de Poesia - 2018 - Salto / SP

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Quando me encontrar com Cristo



Quando eu me encontrar com Cristo
Poderei olhar em seus olhos serenos
Porque jamais estive entre os torturadores.
Quando eu me encontrar com Cristo
Pedirei perdão pelas minhas fraquezas,
Por não ter tido coragem de visitá-lo na cadeia,
Como Ele me pediu em seu Evangelho.
Mas não terei a cabeça baixa porque nunca desejei
A morte de quem compartilhava com Ele o cárcere.
Quando eu me encontrar com Cristo
Exultarei por me lembrar das vezes em que afugentei
Para longe do meu espírito o discurso de ódio,
A vazão do desejo de usar da violência para tudo,
Porque eu ouvia constantemente a sua voz dizendo:
“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus!”
Quando eu me encontrar com Cristo
Poderei dizer que não fui seduzido por falsos Messias,
Que guardei a divina palavra que me ensinou muitas coisas:
“O que oprime ao pobre insulta ao seu Criador;
mas honra-o aquele que se compadece do necessitado.”
Quando eu me encontrar com Cristo
Não terei vergonha de ter escolhido o caminho certo.

05.10.2018
Carlos Carvalho Cavalheiro

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Independência?



Não pude ouvir o brado retumbante
E nem enxergar o povo heroico em desfile
Pelo asfalto que cobria as águas plácidas do Ipiranga.
A poluição sonora me impediu, a poluição visual proibiu
A admiração da cena bucólica que serviu de berço à nossa independência!
A paisagem é outra, as circunstâncias são diferentes.
Estar ali, naquele palco, entretanto, me fez refletir.
O quanto a liberdade realmente canta em nosso peito
que diariamente desafia a morte nos becos e nas vielas,
nas comunidades em conflito?
E como podemos dizer que a independência nos abraça,
Quando o futuro já não mais espelha a grandeza de uma nação?
Oh, Brasil que o sonho intenso se converteu em pesadelo!
De filas imensas, de fados intensos e de parasitas comensais!

26.07.2018

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Noir


Poesia selecionada para o projeto "Doce Poesia Doce", de Salvador / BA, 2017.

Sobre o projeto: De 17 de setembro a 8 de outubro de 2017 o projeto DOCE POESIA DOCE distribuiu gratuitamente nada menos que 10 mil “poesias doces” (poesias impressas embalando balas doces) em praças, escolas, hospitais e postos de atendimento em Salvador. 

Na primeira fase do projeto, mais de 900 e-mails foram enviados para a Convocatória Doce Poesia Doce. Foi tamanha a quantidade e qualidade das poesias enviadas que a seleção aumentou dos 200 previstos para mais de 400 poetas participantes de todos os cantos Brasil e até do exterior. Além disso o projeto faz uma justa homenagem a 21 poetas consagrados cuja obra já se encontra em domínio público. São cerca de 20 cópias de cada um dos poemas selecionados, totalizando as 10.000 poesias doces que serão distribuídas. Além disso, todos os poemas serão postados no blog (poesianasarvores.blogspot.com.br) e na página do projeto no Facebook (facebook.com/poesianasarvores).

DOCE POESIA DOCE é um fruto simbólico e também literal do projeto PÉ DE POESIA, que em 2016 decorou as árvores de Salvador com 500 poesias de mais de 200 poetas de todo o Brasil. Os idealizadores de ambos os projetos, o escritor e músico Fabio Shiva e a fotógrafa Fabíola Campos, buscam sensibilizar as pessoas para o poder da Poesia de trazer doçura e beleza, para a vida, gerando transformações positivas. E da mesma forma que as poesias impressas serão distribuídas em Salvador, a proposta é que as poesias postadas do blog e no Facebook sejam compartilhadas por todos, gerando uma poética reação em cadeia. Principalmente neste momento em que vivemos no Brasil, quando somos diariamente brutalizados pela violência urbana e pela ganância dos poderosos, a Poesia surge como possibilidade de transcendência.

E é por isso que, motivada pela intensa participação dos poetas no envio das poesias, é aberta uma nova Convocatória Doce Poesia Doce, para o envio de vídeos que serão editados e postados no YouTube e na página do projeto. Os interessados devem gravar um vídeo até 3 minutos respondendo à pergunta: “QUAL A IMPORTÂNCIA DA POESIA HOJE?” Caso queiram, podem também fazer um depoimento sobre o projeto Doce Poesia Doce e/ou declamar uma poesia. O vídeo deve ser enviado (via Google Drive, Dropbox ou Wetransfer) para o e-mail poesianasarvores@gmail.com até o dia 10/10/17. 

Em Salvador, todos estão convidados a participar da distribuição de poesias doces e recitais em diversos pontos da cidade.

DISTRIBUIÇÃO DE POESIAS DOCES – CRONOGRAMA (3ª SEMANA):

03/10 - terça-feira - 14h
- Da Rua Chile ao Terreiro de Jesus (Centro)

05/10 - quinta-feira - 10h30
- Escola Municipal Ana Nery (R. Alto da Sereia, 5 - Rio Vermelho)

05/10 - quinta-feira - 14h
- Do Largo da Mariquita ao Largo de Santana (Rio Vermelho)

08/10 - domingo - 15h
- Sarau poético de encerramento do projeto no Campo Grande, com declamação e distribuição de poesias doces.

_____________________________
DOCE POESIA DOCE é um projeto selecionado pelo Edital Arte Todo Dia – Ano III, da Fundação Gregório de Mattos (Prefeitura de Salvador), com apoio de Artgraphic, Cogito Editora, Caligo Editora, Athelier PHNX, Servdonto e R & P Som e Iluminação.


Época Apocalíptica


                           Poesia selecionada para o projeto "Pé de Poesia", Salvador / BA, 2016.

sábado, 21 de julho de 2018

Livro "Entre o Sereno e os teares"


O tambu repicava célere no momento em que o pardo Trindade percebeu a presença de Benedita que requebrava os quadris, segurando uma ponta da saia comprida, dançando o batuque. Passava da meia noite e as labaredas da fogueira já não mais tentavam ofender a abóboda celestial. Porém, nos pés dos dançadores, o ânimo continuava o mesmo, alimentado pelo álcool e pelo prazer do exercício do corpo em liberdade.
Naqueles idos do final do século XIX, em Sorocaba, o batuque tinha de ser realizado nos arrabaldes, pois qualquer reclamação poderia servir de pretexto para a repressão policial. Dizer sobre arrabalde naquela época não tem a mesma conotação de hoje. O que se considerava como “afastado do centro” é atualmente a região central da cidade. Para os lados da Praça Frei Baraúna, por exemplo, era comum a ocorrência do batuque. As residências de famílias estavam um pouco mais distantes, permitindo esses poucos espaços de liberdade de expressão para os negros que reverenciavam os seus ancestrais com a música e a dança.(...)

LANÇAMENTO JULHO - Adquira diretamente com o autor o livro ENTRE O SERENO E OS TEARES (capa dura) de Carlos Carvalho Cavalheiro por e-mail: carlosccavalheiro@gmail.com

Edição Costelas Felinas - livros e revistas artesanais.


Primeiro romance de Carlos Carvalho Cavalheiro, conta a história de um malandro e de uma operária vivendo na cidade de Sorocaba nos anos 1920 a 1930.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Saloon

Dia Nublado...
Garganta e alma secas
No bar, não sei se tomo hai-cai ou poetrix?

28.02.2011

Carlos Carvalho Cavalheiro

sábado, 14 de julho de 2018

Cordis



Acorda enquanto o tempo te permite!
Como relógio mecânico que funciona à corda
Recorda que teu tempo tem um fim.
O que se guarda dentro dessa arca de couro,
São lembranças, são memórias infindas,
Emoções coletadas nos verdes campos
Emoldurados pelas janelas dos anos que passaram.
Aproveita o ritmo da batida e cria a música
O hino e o salmo com que elogias a vida,
Porque mesmo o baile tem hora marcada.
E quando o coração exausto do trabalho,
Reivindicar para si o descanso do herói,
Lembre-se de Odisseu, lembre-se de Aquiles:
A vitória está na alma homiziada no corpo!
O coração para, o corpo para e tu repousas.

05.07.2018


Carlos Carvalho Cavalheiro

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Primeiro ano


Resultado de imagem para bolo de aniversário 
A chama bruxuleia revelando o solo irregular
Estranho chão que mistura cores e formas
Barulho ensurdecedor nos arredores
Olhos curiosos que passeiam no escuro
Mãos que gesticulam e aplaudem
A balbúrdia extática, o frenesi
Música em ritmo acelerado...
O obelisco que sustenta a chama
Destaca-se no meio do campo.
O olhar assustado da criança
Revela o seu desconhecimento
E a entrada do neófito ao nobre ritual
Da comemoração de um aniversário.


27.07.2017

Carlos Carvalho Cavalheiro

quarta-feira, 4 de julho de 2018

A LUA




Sim,
vou
até
o
fim
da
rua
ou
pra
Lua
que
nua
ri
de
mim.
Que
sou
e
amo
o
que
tem
em
si
a
Lua
de
boa
em
mim.
Pois
voa
à
toa
no
céu
tão
em
si,
mas
o
bem
que
faz
em
mim.

28.02.2011


(Outra poessíntese do autor)

ADILENE




Sei
que
te
amo
mais
do
que
sei
que
sou
o
que
sou.

28.02.2011


Carlos Carvalho Cavalheiro

(Poessíntese - forma poética criada pelo autor em que os versos são compostos de apenas uma palavra monossilábica ou dissilábica. É a tentativa de dizer algo da maneira mais minimalista possível)

A MORTE DO MORTO




                                  Bebeu, fumou
                                  e entorpecido
                                  caiu.
                                  Foram dez andares.
                                  Morreu sorrindo,
                                  esquecido.

                                  Para os outros
                                  a vida continuava.
                                  O seu corpo
                                  esparramado pela rua
                                  se decompôs rapidamente.

                                  Nem o mau-cheiro
                                  da carne podre
                                  incomodou os transeuntes...


                                                       29.12.1993.
Carlos Carvalho Cavalheiro

PROFETAS



Nunca despreze as palavras
Dos bêbados e dos lunáticos
Eles são os profetas deste século
Previram o degelo do pólo Ártico
Pois sabem que o gelo derrete
Dentro do líquido antártico
Acabou o Natal
O bem não venceu o mal
Todas as casas pegaram fogo
Da vida esse é o jogo
Somente se salvarão
Todos aqueles que
Perderam a razão
De que vale o cruzeiro
Se ele não compra o dólar?
De que vale o dólar
Se ele não compra a vida?
De que vale a vida
Se ela é por pouco tempo?
De que vale o tempo
Quando não se tem mais o que fazer?
Todo dia Cristo é crucificado
Pois ninguém tem mais amor
Todos atiram pedras, estão sem pecados
E malham Judas chamando-o de traidor.


                              1987


Carlos Carvalho Cavalheiro

CLANDESTINO



A escuridão
É o meu caminho natural.
Não tenho sombra.
A noite é o meu reino.
O meu grito
Foi a minha sentença de morte.
Fujo.
As ruas conhecem meus passos.
Vejo batom
Em todas as bocas.
Vermelho,
Como é o meu sangue,
Cobiçado por alguns.
Mudei de nome,
De vida, de casa...
Clandestino,
Em meu próprio mundo.
Estrangeiro,
Em meu próprio país.


30. 12. 1994

TECNOLOGIA (MUNDO ARTIFICIAL)


                                                                                                                                               

                                  Flores de plástico
                                  Aroma artificial       
                                  próteses,
                                  pênis maiores,
                                  vaginas mecânicas,
                                  homens de metal.
                                  Parafusos...
                                  A ciência diz...
                                  A ciência desdiz...
                                  Fumaça,      
                                  Torres,
                                  Muralhas,
                                  Masmorras,
                                  Morangos sabor abóbora,
                                  Seleção genética,
                                  Copa cibernética,
                                  Sentimentos em cápsulas
                                  doses diárias
                                  sob prescrição médica.

                                                         21.05.1994.


Carlos Carvalho Cavalheiro

POESIA ENGAJADA


                      
 
             A minha poesia não alcança
             Os ouvidos dos oprimidos
             Nem sequer é degustada
             Pelo paladar dos famintos
             E nem por sonho ou fantasia
             É sentida pelos excluídos
             A minha poesia, então, morreu
             E esqueceram de enterrá-la.


                                  25.01.2001.

Carlos Carvalho Cavalheiro

Inseto voador



                                                               O inseto voador
                                                               rodeia a lâmpada elétrica
                                                               que não retribuindo
                                                               tal idolatria, causa-lhe
                                                               a morte num simples
                                                               e terno ósculo:
                                                               Beijo de Judas.
                                                               Qual sedução carrega
                                                               em si a luz?
                                                               O inseto, redivivo Ícaro,
                                                               não resiste aos encantos
                                                               da magia de Edison.
                                                               Talvez o inseto
                                                               não reconheça a morte
                                                               disfarçada em vidro
                                                               e brilho resplandecente.
                                                               Acaso eu também não tenho
                                                               feito similar papel?
                                                               Não tenho caminhado para a laje
                                                               onde serei sacrificado
                                                               como o asteca conformado?
                                                               Não estarei enfeitiçado
                                                               por algum fulgor de chamas
                                                               que consumirão minha carne?
                                                               O canto da sereia
                                                               há de encantar àqueles
                                                               que jamais temem o desconhecido,
                                                               que aceitam o desafio.
                                                               A morte... novo nascimento.
                                                               Não se tem medo da morte
                                                               se não trauma do nascimento
                                                               quando perdemos nosso corpo
                                                               chamado então de placenta
                                                               e enxergamos a luz,
                                                               novamente a tentadora luz
                                                               para qual voamos,
                                                               não obstante o medo,
                                                               tal qual o inseto voador,
                                                               tal qual o lendário Ícaro.

                                                                            28.11.1998


Finalista do Mapa Cultural Paulista de 1999 e 17º Lugar no Prêmio VIP de Literatura 2018

O que de humano há em mim


Olhos que vagueiam pelas ruas
E bocas que beijam o proibido
Na euforia das imagens que passam
As pernas das moças são mais visíveis
Do que as mãos que clamam pela caridade.
O que de humano ainda resta em mim?
Visto diariamente uma embalagem
Com a esperança vã de me tornar um produto
Com maior aceitação no mercado.
Vejo cabeças que se tornam degraus,
Pisoteadas por sapatos que tentam alcançar o céu.
Ouço um coro de anjos anunciando a Primavera de Vivaldi:
“O Pão é para quem tem fome... o pão é para quem tem fome...”
A lua furta do sol o brilho que não possui.
Estranho processo alquímico que transmuta ouro em prata.
Lavagem de dinheiro? Mais corrupção?
O outdoor oferece gratuitamente a sua profecia:
Consuma e seja feliz!
O que de humano ainda resta em mim?
As ruas convertem-se num quadro... Guernica!
Saudades do tempo em que a miséria ainda sensibilizava...
“Armas para todo bom cidadão”
“Justiça com as próprias mãos”
“Matem o desgraçado, vangloriem-se de sua covardia”
Manchetes de jornal.
O preço apressado sem apreço a ninguém.
A cadeira do pé quebrado descansa no canto da sala...
A concretização metafórica de nossas imperfeições
Nada está completo, nada mais está em seu lugar.
No Coliseu moderno instalado em sua sala de estar
O público vaia, o público cospe e pede a morte, pede sangue!
Enquanto semideuses de terno em Brasília gargalham
Festejando as bacanais promovidas com o erário.
Alguém assovia o Hino Nacional lá fora. Dá para ouvir a melodia.
O que de humano ainda resta em mim?

18.06.2017


Carlos Carvalho Cavalheiro

Terra e Raízes



E eu dou razão à Escritura quando diz
Que o Criador nos fez do barro!
Pois eu sinto em mim, na minha carne
O cheiro e a cor da terra em que nasci.
E não é caso de recorrer à poesia.
É fato! Sou desta terra como ela é de mim.
E como barro que aceita o acréscimo
De tudo quanto é terra que pisei neste mundo,
Cada uma delas hoje faz parte de mim.
E se da terra eu fui criado, sei que raízes eu tenho.
E ramificando pelo interior, em forma entrelaçada,
Curiosa maneira de rizoma, se conectando a tudo,
As minhas raízes se reconhecem na fala da rua,
No andar gingado de quem dribla a contradição,
No cheiro do café coado na hora, misturado a bolo de fubá.
Minhas raízes estão vivas nas cordas vocais de quem canta
A cada canto que encontra uma casa e anuncia a Folia de Reis.


17 jan 2018


Publicada no livreto "Sarau de Abertura do III Encontro Nacional de Escritores - Poesia na Cidade Poesia", Bragança Paulista (SP), 25 de maio de 2018.